Sob um novo governo que venceu as eleições com a promessa de restabelecer a liderança internacional do país na luta contra as mudanças climáticas, o Brasil iniciou a árdua tarefa de reverter a destruição ambiental de uma administração de extrema direita que negava a mudança climática. Algumas medidas importantes foram tomadas na reconstrução dos órgãos de monitoramento ambiental e de implementação de políticas do governo, trazendo resultados encorajadores em relação à meta de alcançar o desmatamento zero até 2030. No entanto, ainda há muito a ser feito e uma reação hostil da oposição é garantida, representada por um congresso com forte representação do agronegócio. A sociedade civil deve permanecer vigilante para sustentar as políticas ambientais e resistir às tentativas de retrocesso.

Em uma reunião com líderes europeus e latino-americanos em Bruxelas, em julho deste ano, o presidente do Brasil, Lula da Silva, reiterou um compromisso ousado: reduzir o desmatamento da Amazônia a zero até 2030.

Lula começou a trabalhar para atingir esse objetivo ao assumir o cargo em 1º de janeiro, tendo conquistado a presidência com a promessa de reverter a destruição ambiental reiterada por seu antecessor de extrema direita e negacionista da mudança climática, Jair Bolsonaro. Ele ainda enfrenta grandes desafios, incluindo agências ambientais esvaziadas e um Congresso hostil no qual legisladores de direita, incluindo vários ex-ministros proeminentes do governo Bolsonaro, ocupam mais de 60% dos assentos.

Os esforços para fazer cumprir a legislação ambiental parecem estar valendo a pena: dados oficiais mostram que o ritmo do desmatamento da Amazônia diminuiu no primeiro semestre de 2023. O sucesso não é de forma alguma garantido: ainda há muito a ser feito e a reação é feroz. Mas é um grande passo na direção certa.

De volta ao cenário global

Lula fez a promessa de acabar com o desmatamento em seu primeiro discurso internacional após sua vitória, quando participou da cúpula climática COP27 como presidente eleito em novembro de 2022. Foi um sinal para o mundo de que o Brasil estava de volta ao sistema de governança global e disposto a se tornar o campeão climático que precisa ser.

Atingir a ambiciosa meta de desmatamento zero exigirá esforços em uma escala muito maior do que os do passado. E esses esforços antagonizarão ainda mais pessoas muito poderosas.

Assim que a presença de Lula na COP27 foi confirmada, uma coalizão nacional da sociedade civil – o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – pediu que ele se oferecesse para sediar a cúpula climática de 2025 no Brasil. Ele o fez, e acaba de ser confirmado: em 2025, a COP30 será realizada em Belém, porta de entrada do Rio Amazonas.

Na COP27, Lula também disse que pretendia reviver e modernizar a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, um órgão intergovernamental socioambiental que reúne os oito países amazônicos – Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela – para tomar medidas conjuntas para proteger a floresta amazônica.

O que está atrasando Escazú?

O Acordo de Escazú – o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe – representa uma esperança na região mais mortal do mundo para os ativistas ambientais. É o único acordo vinculativo resultante da Conferência das Nações Unidas (ONU) Rio+20 sobre Desenvolvimento Sustentável, o primeiro acordo ambiental regional para a América Latina e o Caribe e o primeiro no mundo que contém disposições específicas sobre defensores dos direitos humanos ambientais.

Mas desde que entrou em vigor em abril de 2021, apenas 15 dos 33 estados a ratificaram. Os principais ausentes incluem vários países na lista da Global Witness dos 10 países com o maior número de assassinatos de defensores da terra e do meio ambiente no mundo – incluindo o Brasil.

Quando o acordo foi concluído em março de 2018, o então presidente Michel Temer o assinou, mas nem ele nem seu sucessor, Bolsonaro, o enviaram ao Congresso para ratificação. Esperava-se que isso mudasse quando um novo governo progressista assumisse o cargo, como aconteceu no Chile. Mas no Brasil, está demorando mais do que o esperado.

Em fevereiro de 2023, em uma reunião da ONU em Genebra, o Ministro dos Direitos Humanos do Brasil garantiu aos participantes que o governo estava comprometido com a ratificação e trabalharia com a sociedade civil para elaborar um plano nacional de proteção para os defensores dos direitos humanos.

No entanto, foi necessária uma pressão contínua da sociedade civil. Em março, mais de 140 organizações da sociedade civil brasileira e internacional enviaram uma carta aberta ao Ministro das Relações Exteriores do Brasil, instando o governo a submeter o tratado à aprovação do Congresso. Finalmente, em maio, o ministro anunciou que o tratado havia sido submetido ao Congresso, dizendo que isso serviria para fortalecer os vínculos entre as políticas de direitos humanos e a proteção ambiental.

A sociedade civil continuará pressionando pela ratificação e implementação de Escazú. Um movimento dedicado, o Movimento Escazú Brasil, formado por cidadãos, movimentos sociais e grupos, redes e coalizões da sociedade civil, está trabalhando para criar conscientização sobre o Escazú, defendendo a ratificação e a implementação junto ao Executivo Federal e ao Congresso Nacional e promovendo a participação da sociedade civil brasileira nas cúpulas do Acordo de Escazú. Caberá à sociedade civil garantir que o acordo faça uma diferença real.

Quatro anos de regressão

Em seus quatro anos de mandato, Bolsonaro desmantelou as proteções ambientais e paralisou as principais agências ambientais, cortando seus recursos financeiros e de pessoal. Ele negou a realidade das mudanças climáticas e difamou publicamente a sociedade civil, criminalizou ativistas e desacreditou a mídia. Seu governo permitiu que o desmatamento prosseguisse em um ritmo espantoso e encorajou as empresas a se apoderarem de terras, a desmatá-las para a agricultura incendiando a floresta e a realizar extração ilegal de madeira e mineração.

Ao assumir o cargo, o governo Lula denunciou a existência de 840 pistas de pouso clandestinas na Amazônia que eram impossíveis de não serem notadas – prova tanto da exploração intensiva quanto de uma política sistemática de olhar para o outro lado. Um estudo de setembro de 2022 constatou que, se o desmatamento continuasse no ritmo dos anos Bolsonaro, o Brasil ultrapassaria sua meta de emissões de carbono para 2030 em 137%.

Com Bolsonaro, as comunidades indígenas e os ativistas, já em dificuldades, ficaram ainda mais vulneráveis a ataques. Ao incentivar a pilhagem ambiental, inclusive em terras protegidas e indígenas, o governo também permitiu a violência contra os defensores dos direitos ambientais e dos povos indígenas.

Um exemplo flagrante foi o assassinato do especialista indígena brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips em junho de 2022. Os dois foram emboscados e mortos durante um passeio de barco pelo rio Itaguaí, no Vale do Javari, a segunda maior área indígena do Brasil. Pereira estava na região para se reunir com pescadores locais e comunidades indígenas para que pudessem trabalhar juntos no monitoramento da área, gravemente afetada por atividades criminosas, e Phillips estava documentando a viagem. Eles foram mortos por ordem do líder de uma rede de pesca transnacional ilegal que abrange o Brasil, a Colômbia e o Peru. Os autores materiais e intelectuais dos crimes já foram acusados e estão aguardando julgamento.

Reversão da regressão

A nova administração procurou reestruturar as instituições de controle e monitoramento de recursos, com o objetivo de combater as atividades ilegais ligadas à degradação ambiental, preservar os direitos dos povos indígenas e aprimorar seu papel na conservação ambiental. Fortaleceu o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), órgão federal responsável pela aplicação da política ambiental, e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), que, pela primeira vez desde sua criação em 1967, é chefiada por uma pessoa indígena, Joenia Wapichana.

A FUNAI foi completamente desmantelada por Bolsonaro, que a transferiu para o Ministério da Agricultura, dirigido por um líder da bancada do agronegócio no Congresso. Em vez de proteger as terras indígenas, ele permitiu o desmatamento e promoveu a expansão do agronegócio.

Em contraste, os primeiros gestos políticos de Lula foram a criação de um novo Ministério dos Povos Indígenas, nomeando a líder indígena Sonia Guajajara para dirigi-lo, e a nomeação de Marina Silva, líder do partido ambientalista Rede Sustentabilidade, como Ministra do Meio Ambiente. Marina Silva ocupou esse cargo entre 2003 e 2008, intensificando as medidas contra o desmatamento e fortalecendo as inspeções ambientais.

Logo após assumir o cargo em janeiro, Lula também restaurou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, lançado em 2004 e implementado até a posse de Bolsonaro. Em fevereiro, o governo criou uma Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas no Brasil para coordenar ações em 19 ministérios e desenvolver políticas de desmatamento zero.

Essa estratégia estabelece uma presença permanente do governo federal em áreas vulneráveis com o objetivo de eliminar as atividades ilegais. Ela vai além das medidas sazonais usuais para confiscar ou destruir os equipamentos dos garimpeiros ilegais, forçando sua retirada temporária. Ela envolve o estabelecimento de bases operadas pelo IBAMA juntamente com a Polícia Federal, o Ministério da Defesa e a FUNAI, e o uso de inteligência e imagens de satélite para rastrear a atividade criminosa.

O recém-nomeado Diretor da Amazônia e Meio Ambiente da Polícia Federal, Humberto Freire, lançou uma campanha para livrar as terras indígenas protegidas de garimpeiros ilegais, e isso parece estar dando resultado: em julho, ele anunciou que cerca de 90% dos 20.000 garimpeiros que operavam no território Yanomami, a maior terra indígena protegida do Brasil, haviam sido expulsos. De acordo com fontes policiais, houve 19 alertas de desmatamento relacionados a garimpos em abril de 2023 – em comparação com 444 em abril de 2022.

Mas Freire advertiu que a luta ainda não havia terminado. Ainda há alguns milhares de mineradores em atividade e as empresas criminosas que os empregam continuam vivas. A tarefa fundamental de recuperar a terra e os rios danificados só poderá começar quando todos eles forem expulsos definitivamente. E uma questão que clama por cooperação internacional continua sem solução: a violência e a degradação ambiental continuam a ser uma experiência diária para as comunidades Yanomami do outro lado da fronteira, na Venezuela, e continuam crescendo à medida que os garimpeiros ilegais saltam de jurisdições.

Atingir a ambiciosa meta de desmatamento zero exigirá esforços em uma escala muito maior do que os do passado. E esses esforços antagonizarão ainda mais pessoas muito poderosas.

Obstáculos à frente

Com a agenda ambiental de volta aos trilhos, o ritmo do desmatamento da Amazônia diminuiu nos primeiros seis meses de 2023, caindo 34% em comparação com o mesmo período de 2022. No entanto, os números ainda permanecem altos e as reduções são desiguais, com dois estados – Roraima e Tocantins – apresentando aumentos. O desmatamento continua aumentando em outra parte importante do ecossistema brasileiro, o Cerrado, onde as áreas de preservação são poucas e a maior parte do desmatamento ocorre em propriedades privadas.

Mesmo na Amazônia, pode ser muito cedo para confirmar uma tendência de queda. Um teste crucial virá na segunda metade do ano, quando as temperaturas estiverem mais altas. Uma fase mais forte do El Niño, com o aquecimento das águas no Oceano Pacífico, tornará o clima ainda mais seco e quente do que o normal, ajudando os incêndios a se espalharem rapidamente. Prevendo isso, o IBAMA aumentou o recrutamento de bombeiros para expandir as brigadas em comunidades indígenas e quilombolas, realizar inspeções e impor multas e embargos. Para desencorajar as pessoas a iniciarem incêndios para limpeza de terras para fins agrícolas, o órgão as impede de colocar essas terras em uso agrícola.

Mas, enquanto isso, o Congresso brasileiro passou para a ofensiva. Em junho, o Senado fez alterações radicais no projeto de lei sobre os ministérios enviado por Lula, diluindo os poderes dos Ministérios dos Povos Indígenas e do Meio Ambiente e limitando a demarcação de terras indígenas àquelas já ocupadas pelas comunidades até 1998, quando a atual constituição foi promulgada.

Os líderes indígenas reclamaram que muitas comunidades não estavam em suas terras em 1998 porque haviam sido expulsas ao longo de séculos, especialmente durante a ditadura militar entre 1964 e 1985. Eles denunciaram a nova lei como “genocídio legal” e pediram ao presidente que a vetasse. A sociedade civil foi às ruas e às mídias sociais para apoiar as políticas ambientais do governo.

Eles enfrentam um inimigo intimidador. Um relatório recente da Agência Brasileira de Inteligência expôs as conexões políticas das empresas de mineração ilegal. Dois líderes empresariais diretamente associados a essa atividade criminosa são lobistas ativos no Congresso e mantêm fortes vínculos com políticos locais. Eles também são acusados de financiar a tentativa de insurreição do 8 de janeiro, logo após a posse de Lula, que contestou o resultado da eleição.

Contra essas elites obscuras, a sociedade civil empunha a arma mais eficaz à sua disposição, iluminando suas negociações e fazendo com que saibam que o Brasil e o mundo estão observando e permanecerão vigilantes pelo tempo que for necessário. Os riscos são altos demais para baixar a guarda.

NOSSOS PEDIDOS DE AÇÃO

  • A sociedade civil deve permanecer vigilante e manter redes para proteger as políticas socioambientais e evitar novos retrocessos.
  • O governo brasileiro deve trabalhar em conjunto com seus homólogos de outros estados amazônicos para estabelecer políticas de proteção comuns e impedir o movimento de atores ilegais através das fronteiras.
  • O Brasil deve ratificar o Acordo de Escazú o mais rápido possível e começar a implementar mecanismos de consulta e proteção de acordo com as disposições do tratado.

Foto da capa por Mauro Pimentel/AFP via Getty Images