A CIVICUS discute sobre a recente repressão à mídia estrangeira e a situação dos jornalistas na Guiné-Bissau com Indira Correia Baldé, presidente do Sindicato de Jornalistas e Técnicos de Comunicação Social, que atua para proteger, defender e promover a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e os interesses laborais dos profissionais de comunicação social.

O governo da Guiné-Bissau suspendeu no dia 15 de agosto as atividades de três meios de comunicação portugueses, ordenando que os seus jornalistas deixassem o território guineense até 19 de agosto. A medida foi tomada sem explicação oficial, em meio a crescentes tensões políticas e meses depois do presidente Umaro Sissoco Embaló ter voltado atrás na sua promessa de não se candidatar na eleição prevista para novembro. Representa um golpe significativo à liberdade de imprensa e coloca em dúvida a transparência do próximo processo eleitoral.

Que principais desafios enfrentam os jornalistas guineenses?

Os jornalistas enfrentam múltiplos riscos no exercício da sua profissão. São ameaçados por informar com verdade e ética, sendo muitas vezes excluídos de círculos de informação por adotarem uma postura profissional, isenta e independente de interesses obscuros.

O acesso às fontes de informação é sistematicamente limitado, e muitos repórteres são agredidos sem que os agressores sejam responsabilizados. Mais preocupante ainda, as forças policiais, que deveriam garantir a segurança dos profissionais de comunicação, são por vezes os primeiros a intimidá-los ou afastá-los do local de trabalho. Nos últimos tempos, registaram-se casos graves de agressões físicas a jornalistas, ataques a emissoras de rádio por homens armados – cujos autores morais e materiais continuam desconhecidos – e ameaças constantes nas redes sociais feitas por simpatizantes políticos.

Para além da violência física, os profissionais enfrentam restrições sistemáticas à liberdade de imprensa e de expressão, pilares fundamentais do jornalismo. Nos órgãos de comunicação públicos, predominam a censura, a autocensura e a falta de contraditório.

A situação é agravada pela precariedade laboral. O setor é pouco atrativo, com remunerações muito baixas, o que leva muitos jornalistas a cederem a pressões externas, atuarem como militantes políticos ou abandonarem a profissão em busca de melhores condições em outros setores da economia.

Como sobrevivem os jornalistas neste contexto repressivo?

Para sobreviver neste ambiente hostil, muitos jornalistas adotaram estratégias de autopreservação. O clima de medo é tal que muitos evitam fazer perguntas ou cobrir temas sensíveis, principalmente em reportagens televisivas, restringindo voluntariamente o seu campo de atuação e evitando temas políticos ou figuras públicas “alérgicas” à confrontação de factos.

Várias redações suspenderam programas de debate e interatividade que poderiam gerar reações negativas por parte do poder político. Como alternativa, passaram a dar mais destaque a temas sociais e culturais, considerados menos sensíveis politicamente.

Contudo, essas estratégias, embora compreensíveis, comprometem o brio profissional e esvaziam o verdadeiro sentido de ser jornalista: servir o interesse público com verdade e coragem.

Quais foram as justificações oficiais para a expulsão dos media portugueses?

Passado mais de um mês, as explicações do governo guineense sobre a expulsão dos jornalistas e dos três órgãos de comunicação portugueses Agência Lusa, Radiodifusão Portuguesa (RDP) África e Rádio e Televisão de Portugal (RTP) África permanecem escassas e pouco convincentes.

A medida foi executada de forma abrupta, sem aviso prévio ou justificações objetivas. O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Carlos Pinto Pereira, prometeu esclarecimentos, mas estes nunca foram apresentados. Por sua vez, o Primeiro-Ministro Braima Camará limitou-se a referir “questões de soberania”, sem especificar o que estava em causa. O silêncio oficial persiste.

Esta decisão tem um impacto negativo direto na vida dos guineenses, tanto no território nacional como na diáspora. É através desses meios, especialmente da RDP e RTP África, que muitos cidadãos se mantêm ligados à realidade nacional. Proibir o seu funcionamento significa restringir a pluralidade de informação, limitar a liberdade de expressão e cortar uma ponte essencial de ligação com a diáspora.

Esta medida constitui uma violação clara da constituição, que garante o direito à informação livre e plural. A exclusão desses meios impede igualmente que instâncias internacionais tenham acesso a realidades que apenas a comunicação social pode documentar.

Como pode esta situação afetar as eleições presidenciais?

É importante lembrar que o período eleitoral é, por natureza, um momento sensível e propício à proliferação de rumores, manipulações e mentiras. A Guiné-Bissau, como qualquer outro país, não está imune a esse fenómeno. Neste contexto, a presença da imprensa internacional representa um fator crucial de equilíbrio, de transparência e de proteção da verdade democrática.

Por isso, a ausência de jornalistas internacionais na cobertura das eleições pode favorecer tentativas de manipulação da informação. Sem observadores imparciais e com ampla projeção mediática, abre-se espaço para a difusão de informações fabricadas e propaganda política disfarçada de notícia. A quem caberá desconstruir as notícias falsas num ambiente em que os meios independentes são silenciados?

Quando jornalistas são silenciados e meios de comunicação são fechados, toda a sociedade perde: perde acesso à verdade, perde a capacidade de fiscalizar o poder e perde a confiança nas instituições.

Que medidas devem tomar os parceiros internacionais da Guiné-Bissau?

A comunidade internacional deve desempenhar um papel ativo e estratégico na defesa da liberdade de imprensa. É fundamental que a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, Nações Unidas, União Africana, União Europeia, organizações de direitos humanos e associações de jornalistas condenem publicamente os atos de censura, intimidação, agressão e encerramento arbitrário de órgãos de comunicação social, exigindo das autoridades guineenses o respeito pelos princípios democráticos e constitucionais que garantem o direito à informação.

Para além das condenações públicas, a comunidade internacional deve engajar-se no diálogo direto com o governo, apelando para a reversão de medidas que limitam o funcionamento livre da imprensa, monitorizar continuamente a situação, apoiar técnica e financeiramente os meios de comunicação independentes, proteger jornalistas em risco e promover ações de formação e sensibilização sobre o papel da imprensa numa democracia pluralista. A Guiné-Bissau precisa de aliados que defendam a liberdade como um valor inegociável.