CIVICUS conversa sobre os desafios da democracia na Guiné-Bissau com Malam Sanha, ativista de direitos humanos e secretário-geral do Fórum de Intervenção Social das Jovens Raparigas (FINSJOR).

A crise política na Guiné-Bissau agravou-se em novembro de 2024, quando o Presidente Umaro Sissoco Embaló adiou indefinidamente as eleições e dissolveu o Parlamento duas vezes, impedindo a entrada de deputados na Assembleia Nacional. Isso se seguiu a um período de instabilidade marcado pela polêmica nomeação de Rui Duarte de Barros como primeiro-ministro em 20 de dezembro de 2023, o que provocou protestos e confrontos com as forças de segurança. As instituições democráticas do país enfrentam desafios significativos além das eleições suspensas, incluindo interferência militar na política e a corrupção generalizada. Organizações internacionais e grupos da sociedade civil continuam trabalhando para restaurar a ordem constitucional e fortalecer as instituições.

Como você caracteriza os principais obstáculos à democracia na Guiné-Bissau?

A democracia na Guiné-Bissau enfrenta desafios políticos, institucionais, sociais e econômicos. Em primeiro lugar, a instabilidade política é um problema crônico. O país tem um histórico de golpes militares e interrupções no processo democrático, o que dificulta a consolidação das instituições democráticas e mina a confiança nelas. Além disso, os conflitos de poder entre líderes políticos e militares frequentemente geram impasses institucionais.

Outro obstáculo crucial é a fragilidade das instituições. A falta de um sistema judicial independente e de uma comissão eleitoral confiável compromete a transparência e a credibilidade dos processos democráticos. O fraco estado de direito favorece práticas clientelistas e a corrupção.

A corrupção generalizada impede que recursos públicos sejam utilizados de forma adequada para promover o desenvolvimento social e econômico. A exclusão social se transforma em exclusão política, pois a pobreza extrema e as desigualdades econômicas limitam o engajamento cívico e a participação política dos cidadãos. Grupos marginalizados, incluindo mulheres, jovens e minorias étnicas, frequentemente têm pouca participação, o que agrava as tensões.

Tensões étnicas e regionais também são exploradas por líderes políticos para consolidar o poder, aumentando a fragmentação social. Finalmente, a influência de atores internacionais e regionais é prejudicial à democracia quando eles promovem agendas que não favorecem a estabilidade interna.

Como a interferência militar tem afetado o funcionamento das instituições democráticas?

O envolvimento constante dos militares tem enfraquecido a separação entre os poderes, dificultando a consolidação de um governo civil forte e legítimo. Isso se reflete na falta de continuidade das políticas públicas, na instabilidade do governo e no medo generalizado entre políticos e cidadãos, que veem as forças armadas como um agente desestabilizador ao invés de um garantidor da ordem constitucional.

A interferência militar prejudica diretamente o funcionamento de instituições essenciais, como o parlamento e o sistema judiciário. A imposição de governos por meio da força e a manipulação de processos eleitorais comprometem a credibilidade do Estado perante a população e a comunidade internacional. Como consequência, há um enfraquecimento do Estado de Direito, com maior impunidade para crimes políticos e econômicos. Esse cenário cria um ciclo vicioso de instabilidade, onde a falta de confiança nas instituições reduz o investimento estrangeiro, agrava a crise econômica e social, e torna a democracia cada vez mais frágil.

O que aconteceu com as eleições legislativas que estavam programadas para novembro de 2024?

Vinte dias antes da data prevista para as eleições legislativas, o Presidente Embaló as suspendeu por meio de um decreto que revogou o decreto anterior que estabelecia a data das eleições. O decreto mencionou que, segundo parecer do Governo, não estavam reunidas as condições indispensáveis para a realização das eleições na data inicialmente prevista.

O presidente afirmou que o governo, responsável pela organização das eleições, não conseguiu cumprir o cronograma eleitoral porque todos os atores políticos se atrasaram, exceto a Presidência da República. Ele também alertou que partidos ou coligações que anunciassem campanhas após o adiamento estariam “fazendo teatro e desordem”.

Até o momento, não foi anunciada uma nova data para as eleições legislativas, deixando o processo eleitoral em suspenso.

O que precisa acontecer para que sejam realizadas eleições livres e justas?

A Guiné-Bissau tem um histórico de processos políticos questionáveis, marcados por manipulação e falta de transparência. Para as eleições serem livres e justas, todos os atores políticos devem poder participar e o processo deve ser supervisionado por um órgão independente. Caso contrário, elas servirão apenas para consolidar o poder das elites e serão percebidas como tal, corroendo sua legitimidade.

A infraestrutura eleitoral também é crucial: sem um censo atualizado, financiamento adequado e logística eficiente, não será possível realizar eleições, e o governo continuará adiando-as indefinidamente.

Qual tem sido o impacto dos protestos recentes?

Os movimentos juvenis emergiram como atores importantes, desafiando as elites tradicionais. As manifestações aumentaram a conscientização política dos jovens, que agora estão mais engajados na busca por maior transparência e responsabilidade governamental.

Os protestos revelaram a insatisfação popular com a corrupção, a má governança, as condições socioeconômicas e as violações dos direitos humanos. Suas demandas incluíam soluções para o desemprego, melhoria no custo de vida e acesso a serviços essenciais, como saúde e educação, além de maior transparência na gestão dos recursos públicos, o combate à corrupção e o fim da repressão política.

Os protestos mostraram o poder da mobilização popular, pois forçaram o governo a reagir. O governo respondeu de diferentes formas. Em muitos casos, houve repressão violenta, detenções arbitrárias e censura da mídia, o que aumentou a desconfiança na administração, isolando politicamente o governo. Em outros momentos, as autoridades anunciaram reformas, mas sem implementação concreta, o que gerou desconfiança nos manifestantes.