A CIVICUS discute as recentes eleições em Portugal com Jorge Máximo, membro do conselho de administração da Transparência International (TI) Portugal, uma organização da sociedade civil (OSC) que luta contra a corrupção, promove a transparência e a boa governança e defende os direitos humanos e os valores democráticos.

A 18 de maio, Portugal realizou as suas terceiras eleições em menos de quatro anos. Estas eleições seguiram-se ao colapso de um governo de coligação conservadora minoritária formado pelo Partido Social Democrata e pelo Partido Popular Democrata Cristão, na sequência de um escândalo de corrupção que abalou a confiança pública e remodelou a dinâmica partidária. A coligação de centro-direita voltou a ficar em primeiro lugar, mas o partido de extrema-direita Chega obteve o seu melhor resultado de sempre, conquistando mais de 22% dos votos.

Por que razão Portugal realizou mais uma eleição?

Portugal realizou novas eleições devido à instabilidade política gerada por crises institucionais, no decurso de suspeitas de conflitos de interesses diretos do primeiro-ministro Luís Montenegro, após terem sido divulgadas notícias que o referiam como sendo beneficiário direto de rendimentos regulares de uma empresa familiar em simultâneo com o exercício das suas funções governativas. Esta situação levou a uma censura generalizada dos partidos da oposição sobre a conduta ética do primeiro-ministro e a suspeitas sobre potenciais riscos de falta de isenção nas suas decisões.

Este ambiente de crispação e crise política levou Montenegro a apresentar uma moção de confiança no parlamento, a qual, tendo sido rejeitada, determinou imediatamente a queda do governo, conforme determina a Constituição.

Como evoluiu o sentimento dos eleitores após eleições tão frequentes?

Estas eleições não eram esperadas neste momento, nomeadamente num contexto em que o governo tinha um orçamento aprovado e o presidente da República terá em breve os seus poderes limitados em virtude da proximidade do final do seu mandato. O principal dilema observado neste contexto foi a dicotomia entre as dimensões de exigência ética na prática governativa e a necessidade de estabilidade como fator fundamental para o desenvolvimento do país.

O sentimento dos eleitores tem oscilado entre frustração, ceticismo e polarização. A convulsão política foi grande, com ataques constantes, superficiais e demagógicos. Não existe, ou não se sente, um caminho claro que garanta estabilidade política e uma governação de elevados padrões de integridade, facto que dificulta a formação de maiorias estáveis e compromete a previsibilidade política. A perceção de instabilidade e o desgaste face à sucessão de eleições têm potencial para reduzir a participação eleitoral, aumentar o voto de protesto ou favorecer partidos populistas.

De que forma a sociedade civil se envolveu nas eleições?

Como estas eleições foram inesperadas e ocorreram muito rapidamente, não houve tempo suficiente para a sociedade civil se mobilizar em torno das suas preocupações comuns.

Como resultado, as OSC reagiram dentro do quadro da sua atividade corrente. Na TI Portugal, por exemplo, recuperámos e melhorámos o nosso quadro reivindicativo sobre a agenda anticorrupção, que enviámos a todos os partidos políticos com a recomendação de as incluírem nos seus programas eleitorais.

Quais foram as posições dos diferentes partidos políticos sobre as principais questões da campanha?

A discussão sobre o reforço da despesa militar, imposto por compromissos da NATO (até 5% do PIB) e influenciado por alterações na política externa norte-americana, trouxe à tona as divergências entre partidos, nomeadamente pelo receio de impacto negativo nas disponibilidades orçamentais para despesas sociais.

Partidos de esquerda, como o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português, opõem-se ao aumento, defendendo maior independência face a conflitos geopolíticos externos. A extrema-direita aceita um aumento substancial da despesa militar no quadro de uma narrativa de soberania nacional e reforço das forças armadas, mas é muito vaga em termos de conteúdo e impactos colaterais.

Os Partidos moderados, como o Partido Socialista e o Partido Social Democrata, apoiam um incremento gradual, centrando-se no equilíbrio entre segurança, crescimento económico e respostas sociais, com o primeiro a dar prioridade à modernização e o segundo à parceria transatlântica. Assim, as diferenças entre eles centram-se no modelo e no ritmo de implementação deste aumento das despesas.

O que podemos esperar após as eleições?

Embora a vitória da coligação de centro-direita no poder não tenha sido surpreendente, as eleições foram marcadas pela ascensão significativa do partido de extrema direita Chega, que ultrapassou o Partido Socialista e se tornou a segunda maior força no parlamento. Esta mudança, juntamente com os ganhos dos partidos liberais e conservadores, garantiu uma maioria parlamentar de dois terços às forças de direita, marginalizando a esquerda para a sua posição mais fraca desde a revolução de 1974 e permitindo que os partidos de direita implementem reformas constitucionais sem depender do apoio da esquerda.

A retórica populista do Chega, centrada no combate à corrupção e no controlo da imigração, galvanizou os eleitores indecisos, remodelando o panorama político. À medida que o Chega assume o papel de líder da oposição, influenciando nomeações importantes na administração pública e promovendo a sua agenda, são esperados intensos debates parlamentares e públicos. A sociedade civil deve envolver-se para evitar que estas discussões se transformem em demagogia, salvaguardando as instituições democráticas e os seus princípios.